UM APRENDIZ DE PAÍS: ANGOLA

O conhecimento mútuo, o amor ao próximo, o respeito pelo outro, são entradas para a unidade na pluralidade. Os saberes dos povos devem ser valorizados e aproveitados para a construção responsável do edifício cultural do país. Quem tem predisposição para escutar tem meio caminho andado para a sabedoria.

Por Fernando Kawendimba
Escritor

Quem conta a História de Angola para a oficializar deve antes escutar milhares de histórias de angolas. A pluralidade, a multiculturalidade e a diversidade unem seres únicos. A nível individual, familiar, tribal, mas também racial, religioso e cultural somos esses seres únicos, singulares, originais. Por isso melhor que alguém é ninguém.

As políticas públicas devem, de facto, promover o bem-estar de todos os angolanos. Por isso não convém que sejam pensadas exclusivamente por quem detém o governo sem solicitar a colaboração dos cidadãos nas comunidades. A participação de todos garante maior assertividade para a caracterização e identificação das necessidades, bem como para soluções, das boas às melhoras. A comunidade sabe solucionar os seus problemas tanto quanto quem não conhece a sua realidade problematiza as soluções e as remete ao piorio, à disfuncionalidade. Os cidadãos devem participar da vida pública a tempo inteiro.

O que é ser angolano, afinal?

Ao longo dos anos de escolaridade tive de responder a essa pergunta. A primeira sala da escola primária que frequentei era a marquise situada no rés do chão de um edifício. Estava divida por um muro a meia haste. Aquele lugar não cabia em nós, crianças frequentemente distraídas pelas vozes imigradas de outra turma, rumores de automóveis importados da parte exterior, diálogos reais caídos em queda livre dos andares acima. As turmas, geralmente, assentavam os seus futuros e esperanças sobre latas de leite consumidos não necessariamente por si.

Eu não precisava. Meus pais podiam comprar banquinhos feitos artesanalmente. Os materiais escolares eram carregados em sacos de pão ou em sacolas de compras. A aprendizagem era deveras dispendiosa como ainda segue sendo um pouco por todo o país. Naquele sistema repressivo de ensino, com crianças mal acomodadas, incomodadas por consequências da guerra, pediam-nos imensamente que respondêssemos a esta pergunta: quem é o angolano? Ou éramos intimados a fazer redacções sobre Angola, sob a premissa grandiosa de ser um país rico e belo que é descrito por alguns manuais.

Apesar de tudo, parecia rico e belo. Principalmente na perspectiva dos textos que eram propostos, das estórias contadas em aula. De qualquer forma, a gente aprendeu a amar o país porque ele era-nos dado a conhecer numa fase áurea da nossa pureza. Hoje, esse amor é incondicional. Ou quase isso. Desejável mesmo é que os poderosos não cansem a sua beleza, não envelheçam a sua riqueza. O que é ser angolano então? Ser angolano não era sermos nós mesmos e… ponto final?

Definir o angolano é um exercício logicamente impossível. Sempre se pode tentar por descrições ou reconhecimento de suas qualidades e outras propriedades. Que palavras poucas bastariam para dizer o que é ser angolano? As qualidades do angolano são em excesso de quantidade. Nascer angolano é nascer em Angola, nascer de angolanos, embora isto não esgote a angolanidade, que é, por sua vez, uma condição vasta e profunda. Ser angolano é respirar angolanidade, essa corrente de ar natural e culturalmente africana; ser angolano é nadar na angolanidade, essa corrente de água africana que nos lava, mata a sede, compõe o nosso sangue, suor e lágrimas.

A angolanidade é a característica de nós que figura no morro do Moko da nossa identidade. A angolanidade caracteriza-nos, por excelência, a maneira de ser e estar no mundo. Angolano não é isso porque é mais e melhor do que é dizível. A ciência não chega a definir o que é ser angolano. A arte chega perto de defini-lo. Somente nos dados imediatos da experiência de ser angolano está uma definição mais perto da verdade. Ser angolano é ter Angola na própria essência.

Angola não deve escapar do amor dos angolanos. Se alguém não teve, não tem e jura na sua ira nunca vir a ter amor por Angola, não conhece a verdadeira face dessa terra, do seu povo.

Eventualmente estará a tomar como principal referência parte das políticas sobre ela implementadas, aquelas que, de modo infeliz, são muitas vezes uma tentativa de desumanização constante. Uma dica como “odeio esse país” refere-se a algum eventual estático estado do Estado para proporcionar ambiente feliz e saudável para o povo, certo? Ou seja, uma referência a um certo dinamismo reservado ou canalizado para o mal, errado? Certos ou errados não estariam quem por certas razões não amem esse país.

Mas ser angolano é também ser um permanente revisor dos seus laços afectivos com as angolanas terras dos seus antepassados e passados recentes. É conhecer as suas histórias, ou ainda as descobrir nos vozeirões dos silêncios e nas vozes silenciadas dos marginalizados do poder e do querer ser. Ser angolano é lutar para que os pseudo-angolanos, aqueles cidadãos que mais querem desnudar o país, cessem de abusar da sua beleza e riqueza. O angolano, mais que ser de Angola, é Angola.

As primeiras coisas que li e contei são realidades e ficções de Angola, em t-shirts brancas, em quadros pretos, em cadernos de muitas raças ou tribos, em livros de línguas não escritas. Angola foi palco de guerras por extensos pedaços de tempo. Precisa-se que se construam humanos céus nas terras angolanas para que ser angolano caiba na felicidade.

Ser angolano é personificar Angola à base da própria humanidade. É amar Angola como se ela, sendo o objecto de amor, valesse por quem a ama. Ser angolano é declarar esse amor com obras boas e belas. Ser angolano é saber que Angola, nos seus povos, faunas e floras, são uma prioridade na escala de valores. Ser angolano é ser Angola, na exaltação dos seus valores de ordem ideal, na multiplicação dos seus valores de ordem material.

Não falte amor, esperança e fé de angolanos para Angola, à mesma medida em que deve haver mais coragem, prudência, temperança e justiça nas terras cujos filhos merecem ser felizes e saudáveis. Angolano é o ser humano que tem Angola como o centro do seu mundo, o seu lugar de pouso, lugar para usufruir dos seus frutos, em nome das suas raízes.

Artigos Relacionados

Leave a Comment